Sunday, November 7, 2010

NA MODA NA BULGÁRIA? A CATAPULTA EM QUE FOMOS METIDOS


A primeira vez que ouvi falar da Bulgária foi no meu exame de admissão ao ginásio. Naquela época, as crianças de 10 anos tinham a obrigação de saber as capitais de todos os países e deviam estar preparadas para estudar latim aos 11 anos e grego aos 16. A capital da Bulgária era Sófia, e continua sendo Sófia até hoje, embora nós a chamássemos de Sofia, assim como chamávamos, não sei porque, a macaca.
A impressão que eu tinha era a de que a Bulgária era bárbara. Para mim, búlgaros e tártaros eram primos. Eram também, desde o século VII,  cristãos, ortodoxos, mas cristãos. Mais tarde descobri que os tártaros ainda vivem por lá, mas são minoria.
Alguns dos búlgaros resistiram o quanto puderam às invasões dos mongóis e um dos seus líderes chegou a ser proclamado Patricius pelos Bizantinos, com os quais brigariam pelos séculos seguintes. Mais tarde eles foram massacrados pelos turcos. Outros búlgaros ocuparam a Bessarábia, que entra aqui só porque é um “pais” de contos de mil e uma noites, com sultões, haréns, et caterva, portanto muito adequado para um blog que trata de contos infantís e de terras do nunca. Quem quiser saber história de adultos procure o Google, que, mesmo não sendo acadêmico, é um lugar mais apropriado.
Mais tarde, quando eu já havia superado o latim do ginásio mas não o grego do colegial, que hoje não existem mais, nem o ensino das linguas nem a denominação dos gráus escolares, eu voltei a tomar conhecimento da Bulgária. Foi através do escritor Campos de Carvalho, hoje em dia na moda outra vez, e do seu livro “Púlcaro Búlgaro”. Alí, os búlgaros foram motivos apenas para os trocadilhos dos concretistas.
Hoje, em um “brunch” com amigos meus “de esquerda”, eu os tenho é verdade, ouvi falar pela terceira vez da Bulgária. “O Brasil está na moda na Bulgária”, sabiam, disse um deles, ao que eu respondi que ele tinha acabado de me dar um título para mais uma das minhas crônicas no “Peter Pan de Garanhuns”. Eles nem podem saber dessas minhas crônicas, senão eu, que hoje sou, segundo eles, “de direita”, serei classificado como de “extrema direita”. Aliás, descobri, além de redescobrir a Bulgária, que hoje já não há mais a direita no Brasil, restamos apenas 44 milhões de extrema direita.
Devo ressaltar que os quatro que estiveram à mesa comigo são meus amigos, muito amigos. Um pintor, uma jornalista e dois advogados. Todos eméritos em suas respectivas profissões e vivendo com rendimentos familiares, estimo, acima dos 20 salários mínimos. Eu, que costumava jantar somente uma vez por mês na Roberta Sudbrack, porque não tenho renda suficiente para fazê-lo todas as noites como eu gostaria, eu, era ali um legítimo representante da classe operária, um pobre entre ricos, se é para ficarmos nestas distinções maniqueístas a que fomos obrigados no Brasil desde o tempo da ditadura.
Além da Bulgária, descobri o quanto o Brasil está dividido entre a "esquerda" e a "extrema direita", palavra e expressão que não querem dizer absolutamente nada. Descobri que alguns personagens da vida brasileira, jornalistas, pintores, sociólogos, cientístas políticos, arquitetos, taxistas, porteiros, garçons, prostitutas, ou são de direita ou são de extrema esquerda. Eu, constrangido, porque todos sabiam que eu votara na “extrema direita” nas últimas eleições, reconheci humildemente a derrota na esperança de aplacar sanha primária que nos divide, a nós brasileiros. Mesmo o bom humor caracterísco destes meus amigos tornou-se um humor menor, como constatou um deles.
O humor sempre foi a minha esperança. Porque acredito que o humor é a mais acirrada das críticas, especialmente quando se volta contra nós mesmos. Uma crítica ácida, mas saudável, das nossas convicções maniqueístas. O humor nos impede de acreditarmos fanaticamente nas nossas crenças, porque toda a crença e todo o fanatismo é, em última e trágica instância, uma piada. Por isso, quando ouvi falar que o Brasil está na moda na Bulgária, ví nisto uma oportunidade para a ironia, porque isto só poderá ser mais risível quando estivermos na moda em Botswana. E me lembrei de Campos de Carvalho que, depois de seu angustiado púcaro búlgaro, voltou a ser lançado, desta vez como teatro, na mesma catapulta em que fomos metidos.

2 comments:

  1. Eu estou convencido que a pobreza brasileira se deve ao fato de o Latim e o Grego terem sido retirados do ensino médio. Isto porque há, hoje, um culto a mediocridade, para não dizer um culto à preguiça e à burrice. Os "educadores" imaginam que deva ser um sacrifício enorme para as nossas crianças terem que estudar, imaginem terem que estudar Grego e Latim. Imaginem, por exemplo, que, para se ganha uma bolsa família, as crianças devessem estudar Latim, Grego já é demais. Esforçar-se por aprender acabaria sendo um treinamento para sairmos de nossa letargia macunaímica.

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  2. Comentario (bastante) atrasado.
    Eu fiz parte de alguns "Buzzes" sobre politica com o meu grupo de amigos aqui nos EUA, e eh impressionante (e triste) como essa bipolarizacao das visoes politicas (esquerda x extrema direita) acabaram com qualquer possibilidade de uma conversa inteligente sobre o assunto.

    Por aqui o resumo da opera era o seguinte: Dilma = esquerda, Serra = extrema direita, Marina = despolitizados (!!). Nao estou brincando, eu tentei argumentar contra a seguinte afirmacao: "Todos os eleitores da Marina sao despolitizados." Fui voto vencido. Eu desisti... nao ha mais conversa inteligente sobre politica (pelo menos nao nesse canto do planeta.)

    Abracos,
    -- Diogo

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