Monday, October 28, 2013

ÚLTIMO RECURSO, ME FAZER DE URSO!

Carta enviada há anos à então Ministra Marina Silva, no governo do Lula. Publico porque ela dá uma dimensão do que era e é a burocracia da social democracia! A violência burocrática do Estado social democrático continua a mesma.

Sra. Ministra de Estado

Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima

Ministério do Meio Ambiente

Esplanada dos Ministérios, Bloco B, 5o. andar,

70068-900 – Brasília – DF




Prezada Ministra




Há um verso de Cassiano Ricardo que diz: último recurso, me fazer de urso para a alegria das crianças. O surrealismo está no fato do desespero e a agressividade estarem juntos em uma quase brincadeira de crianças, e é neste mesmo surrealismo que me encontro há quase um ano graças a uma permanente intimidação por parte do Ibama. Para não levar a público esta situação, meu último recurso é escrever-lhe uma carta que nunca sei se lhe chegará já que o poder muitas vezes conduz ao isolamento.

Sou um funcionário público aposentado pelo Município do Rio de Janeiro e ainda com uma matrícula como Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro que, espero, breve também se transforme em uma merecida aposentadoria. Durante a minha vida de servidor tive a oportunidade de ser Sub-Secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, durante a Eco-92, e duas vezes Sub-Secretário do Município do Rio de Janeiro, uma na Secretaria de Obras e Serviços Públicos e outra na Secretaria de Urbanismo. Fui Presidente da Comlurb, uma das maiores empresas públicas de limpeza urbana. Fui Presidente do Grupo Executivo de Despoluição da Baía de Guanabara e pude junto com meus colegas desenvolver, apresentar, negociar e aprovar o Plano de Despoluição que o BID e o Japan Bank financiaram para a Guanabara. Há mais de 20 anos trabalho com a área de meio ambiente. Nos últimos anos servi ao atual governo como Diretor de Planejamento Estratégico da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz.

Não pretendo me estender em meu currículo, bastando-me dizer que em toda a minha vida de servidor público nunca tive um uma multa, um reparo, uma repreensão que fosse, por nenhuma ação minha, nunca nenhum Tribunal de Contas, seja municipal, estadual ou federal, me imputou qualquer erro.
Após a minha aposentadoria fundei, fui o primeiro e sou o atual presidente do Instituto Baía de Guanabara, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que trabalha com o meio ambiente e com os grupos pobres da Baía de Guanabara. Junto comigo encontra-se a Sra. Dora Hees de Negreiros, superintendente do IBG, ex-diretora da FEEMA, e muitos outros ex-servidores que, embora não estejam no aparelho de Estado, continuam servindo ao público. No IBG pude realizar projetos com o Fundo Nacional do Meio Ambiente, do MMA, tendo um dos nossos projetos sido escolhido para estar entre os oitos melhores financiados por aquele fundo. Trabalhamos com a Petrobrás e com diversos outros níveis administrativos incluindo principalmente algumas das prefeituras dos municípios mais pobres no entorno da Guanabara.

Coube a administração atual do Ibama me envolver em um processo kafkiano onde sou acusado de agir irregularmente em um convênio do IBG com aquele instituto, convênio este ajustado com a administração anterior para apresentar um plano de gestão da APA de Guapi-Mirim. Entre as acusações estão as de que eu não teria cumprido a legislação, particularmente a Lei 8.666, ao contratar a direção e alguns técnicos para o desenvolvimento do projeto; ao efetuar gastos miúdos sem que usasse cheques nominais; e ao realizar reuniões que me foram solicitadas pela área técnica do Ibama. Não tenho nenhuma dúvida quanto à lisura dos meus atos. Como todos bons administradores sabem, um convênio difere em muito dos contratos; a maior parte de serviços técnicos especializados, mesmo quando contratada pelo serviço público, é definida pela qualidade técnica e não pelo menor preço. O IBG foi escolhido para o convênio com o Ibama pela sua qualidade técnica, já que não se pode conceber que um estudo sobre o manejo da APA de Guapi-Mirim pudesse ser feito por quem quer que fosse, desqualificado tecnicamente, que se apresentasse em uma concorrência por menor preço. Por outro lado, é inconcebível pensar que custos ínfimos como passagens de ônibus para os caranguejeiros de Guapi-Mirim, a área mais miserável da Guanabara, pudessem ser pagos por cheques nominais. Finalmente, os próprios técnicos do Ibama aprovaram e elogiaram o plano feito pelo IBG, incluindo as reuniões necessárias para que se estabelecesse a metodologia de gestão.

Também não vou me alongar na minha explicação já que além da consciência limpa tenho em minha defesa um dos melhores advogados da área administrativa no Rio de Janeiro, que, por acaso, vem a ser advogado do PT e do candidato do partido no Rio de Janeiro. Mas devo ressaltar duas coisas: não me refiro ao PT para usufruir eventuais intimidades com o poder já que eu mesmo me afastei da Diretoria da Fiocruz porque não podia conceber a esquizofrenia de ser ordenador de despesa de um governo onde o Ibama ameaça colocar meu nome no SIAFI como se eu fosse um bandido. A segunda ressalva é que eu não tenho recursos para ter como meu advogado uma pessoa desta qualidade e que só o tenho porque é meu parente e não cobra pela defesa do IBG e a minha. E não tenho recursos porque vivo de meus salários de aposentado e de professor e no IBG exerço minha função como voluntário – porque assim nos obrigamos em nosso estatuto – e nunca recebi um só tostão desta OSCIP.

No início imaginei que pudesse conversar com alguns dirigentes do Ibama e mostrar-lhes a insensatez da conduta que tomaram. Cheguei a pensar em falar com amigos meus como o Liszt, diretor do Jardim Botânico, o Minc, ou o Gabeira, o Sirkis, de quem eu fui sub-secretário de urbanismo do Rio de Janeiro, o Axel Grael, que é associado e ex-presidente do IBG, para que pudessem atestar o meu caráter. Cheguei a pensar em procurar muitos amigos da Fiocruz que conheceram o Presidente do Ibama quando este era chefe do Escritório Técnico de Manaus. Finalmente decidi que não se faz assim e resolvi, eu mesmo, ligar para o presidente do Ibama e pedir uma entrevista onde eu pudesse explicar o que eu acreditava ser um mal-entendido. Telefonei, mandei e-mail, falei com as secretárias e com alguns diretores do Ibama pedindo, apenas, que o presidente me concedesse uma entrevista. O máximo que consegui foi uma amável resposta do Chefe de Gabinete ao meu telefonema dizendo que o recurso administrativo proposto pelo meu advogado estava sendo analisado pela auditoria do Ibama.

Fui agora surpreendido por uma segunda carta me ameaçando com “medidas cabíveis” e me cobrando juros e correções monetárias de todo o recurso usado para a realização do convênio, pouco mais de cem mil reais agora transformados em quase cento e oitenta mil reais. Se o IBG tivesse feito um convênio para construir uma ponte, é mais ou menos como se o Ibama, agora, depois da ponte construída, resolver recuperar todo o dinheiro que adiantou, com juros e correções monetárias. Mais do que uma atividade bancária isto se configura como o verdadeiro conto do vigário. O IBG fez o Plano de Gestão de Guapi-Mirim e foi elogiado por isto e, pasme (!!), há uma semana, foi convidado por autoridade do Ibama Rio para ser a Secretaria Executiva do Conselho Gestor da APA de Guapi-Mirim, conselho este que representa a execução mais perfeita do plano para o qual nos conveniamos.

Diante do surrealismo que estou vivendo, da agressividade com que estou sendo tratado pelos técnicos do Ibama e da brincadeira infantil em que isto se tornou, é que sou obrigado a utilizar o meu último recurso, apelar a uma Ministra para que a burocracia do Ibama não me trate como inimigo – que ainda não sou – por razões que eu desconheço. Talvez pelo simples fato de eu ter assinado um convênio com um governo anterior, pelo fato de ter sugerido e apoiado a permanência do ex-Superintendente do Ibama-Rio, cargo ocupado por pessoa que, por acaso, era ex-cunhado do ex-ministro, ministro que vem a ser filho do atual Presidente do Senado.

Sra. Ministra, não sei qual a razão desta situação em que fui colocado e não lhe peço nenhum favor. O que eu lhe peço é que o Ibama faça cumprir a lei, mas que não me mantenha sob permanente intimidação porque eu não mereço isto. Se os dirigentes do Ibama estão certos de que cumprem a lei, então não a manipulem como ameaça. Façam o que querem fazer acreditar como sendo correto e assumam as conseqüências jurídicas de seus atos. Tenho plena consciência de que o poder do Estado, mesmo quando utilizado inconseqüentemente, é maior que o poder dos indivíduos, mas esteja certa, Sra. Ministra, de que isto não me intimida.

Atenciosamente

Manuel A.P. Sanches
Presidente do Instituto Baía de Guanabara

É bom que se diga que, depois desta carta, o "processo kafkiano" simplesmente desapareceu!


2 comments:

  1. Que história kafkiana Manuel. Ainda bem que depois da sua carta se mancaram.

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  2. Que história kafkiana Manuel. Ainda bem que depois da sua carta se mancaram.

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