Carta enviada há anos à então Ministra Marina Silva, no governo do Lula. Publico porque ela dá uma dimensão do que era e é a burocracia da social democracia! A violência burocrática do Estado social democrático continua a mesma.
Sra. Ministra de Estado
Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima
Ministério do Meio Ambiente
Esplanada dos Ministérios, Bloco B, 5o. andar,
70068-900 – Brasília – DF
Prezada Ministra
Há
um verso de Cassiano Ricardo que diz: último recurso, me fazer de urso para a
alegria das crianças. O surrealismo está no fato do desespero e a agressividade
estarem juntos em uma quase brincadeira de crianças, e é neste mesmo
surrealismo que me encontro há quase um ano graças a uma permanente intimidação
por parte do Ibama. Para não levar a público esta situação, meu último recurso
é escrever-lhe uma carta que nunca sei se lhe chegará já que o poder muitas
vezes conduz ao isolamento.
Sou
um funcionário público aposentado pelo Município do Rio de Janeiro e ainda com uma
matrícula como Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política da
Universidade Federal do Rio de Janeiro que, espero, breve também se transforme
em uma merecida aposentadoria. Durante a minha vida de servidor tive a
oportunidade de ser Sub-Secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de
Janeiro, durante a Eco-92, e duas vezes Sub-Secretário do Município do Rio de
Janeiro, uma na Secretaria de Obras e Serviços Públicos e outra na Secretaria
de Urbanismo. Fui Presidente da Comlurb, uma das maiores empresas públicas de
limpeza urbana. Fui Presidente do Grupo Executivo de Despoluição da Baía de
Guanabara e pude junto com meus colegas desenvolver, apresentar, negociar e
aprovar o Plano de Despoluição que o BID e o Japan Bank financiaram para a
Guanabara. Há mais de 20 anos trabalho com a área de meio ambiente. Nos últimos
anos servi ao atual governo como Diretor de Planejamento Estratégico da
Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz.
Não
pretendo me estender em meu currículo, bastando-me dizer que em toda a minha
vida de servidor público nunca tive um uma multa, um reparo, uma repreensão que
fosse, por nenhuma ação minha, nunca nenhum Tribunal de Contas, seja municipal,
estadual ou federal, me imputou qualquer erro.
Após
a minha aposentadoria fundei, fui o primeiro e sou o atual presidente do
Instituto Baía de Guanabara, Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público que trabalha com o meio ambiente e com os grupos pobres da Baía de
Guanabara. Junto comigo encontra-se a Sra. Dora Hees de Negreiros, superintendente
do IBG, ex-diretora da FEEMA, e muitos outros ex-servidores que, embora não
estejam no aparelho de Estado, continuam servindo ao público. No IBG pude
realizar projetos com o Fundo Nacional do Meio Ambiente, do MMA, tendo um dos
nossos projetos sido escolhido para estar entre os oitos melhores financiados
por aquele fundo. Trabalhamos com a Petrobrás e com diversos outros níveis
administrativos incluindo principalmente algumas das prefeituras dos municípios
mais pobres no entorno da Guanabara.
Coube
a administração atual do Ibama me envolver em um processo kafkiano onde
sou acusado de agir irregularmente em um convênio do IBG com aquele instituto,
convênio este ajustado com a administração anterior para apresentar um plano de
gestão da APA de Guapi-Mirim. Entre as acusações estão as de que eu não teria
cumprido a legislação, particularmente a Lei 8.666, ao contratar a direção e
alguns técnicos para o desenvolvimento do projeto; ao efetuar gastos miúdos sem
que usasse cheques nominais; e ao realizar reuniões que me foram solicitadas
pela área técnica do Ibama. Não tenho nenhuma dúvida quanto à lisura dos meus
atos. Como todos bons administradores sabem, um convênio difere em muito dos
contratos; a maior parte de serviços técnicos especializados, mesmo quando
contratada pelo serviço público, é definida pela qualidade técnica e não pelo
menor preço. O IBG foi escolhido para o convênio com o Ibama pela sua qualidade
técnica, já que não se pode conceber que um estudo sobre o manejo da APA de
Guapi-Mirim pudesse ser feito por quem quer que fosse, desqualificado
tecnicamente, que se apresentasse em uma concorrência por menor preço. Por
outro lado, é inconcebível pensar que custos ínfimos como passagens de ônibus
para os caranguejeiros de Guapi-Mirim, a área mais miserável da Guanabara,
pudessem ser pagos por cheques nominais. Finalmente, os próprios técnicos do
Ibama aprovaram e elogiaram o plano feito pelo IBG, incluindo as reuniões
necessárias para que se estabelecesse a metodologia de gestão.
Também
não vou me alongar na minha explicação já que além da consciência limpa tenho
em minha defesa um dos melhores advogados da área administrativa no Rio de
Janeiro, que, por acaso, vem a ser advogado do PT e do candidato do partido no
Rio de Janeiro. Mas devo ressaltar duas coisas: não me refiro ao PT para
usufruir eventuais intimidades com o poder já que eu mesmo me afastei da
Diretoria da Fiocruz porque não podia conceber a esquizofrenia de ser ordenador
de despesa de um governo onde o Ibama ameaça colocar meu nome no SIAFI como se
eu fosse um bandido. A segunda ressalva é que eu não tenho recursos para ter
como meu advogado uma pessoa desta qualidade e que só o tenho porque é meu
parente e não cobra pela defesa do IBG e a minha. E não tenho recursos porque
vivo de meus salários de aposentado e de professor e no IBG exerço minha função
como voluntário – porque assim nos obrigamos em nosso estatuto – e nunca recebi
um só tostão desta OSCIP.
No
início imaginei que pudesse conversar com alguns dirigentes do Ibama e mostrar-lhes
a insensatez da conduta que tomaram. Cheguei a pensar em falar com amigos meus
como o Liszt, diretor do Jardim Botânico, o Minc, ou o Gabeira, o Sirkis, de
quem eu fui sub-secretário de urbanismo do Rio de Janeiro, o Axel Grael, que é
associado e ex-presidente do IBG, para que pudessem atestar o meu caráter.
Cheguei a pensar em procurar muitos amigos da Fiocruz que conheceram o
Presidente do Ibama quando este era chefe do Escritório Técnico de Manaus.
Finalmente decidi que não se faz assim e resolvi, eu mesmo, ligar para o
presidente do Ibama e pedir uma entrevista onde eu pudesse explicar o que eu
acreditava ser um mal-entendido. Telefonei, mandei e-mail, falei com as
secretárias e com alguns diretores do Ibama pedindo, apenas, que o presidente
me concedesse uma entrevista. O máximo que consegui foi uma amável resposta do
Chefe de Gabinete ao meu telefonema dizendo que o recurso administrativo
proposto pelo meu advogado estava sendo analisado pela auditoria do Ibama.
Fui
agora surpreendido por uma segunda carta me ameaçando com “medidas cabíveis” e
me cobrando juros e correções monetárias de todo o recurso usado para a
realização do convênio, pouco mais de cem mil reais agora transformados em
quase cento e oitenta mil reais. Se o IBG tivesse feito um convênio para
construir uma ponte, é mais ou menos como se o Ibama, agora, depois da ponte
construída, resolver recuperar todo o dinheiro que adiantou, com juros e
correções monetárias. Mais do que uma atividade bancária isto se configura como
o verdadeiro conto do vigário. O IBG fez o Plano de Gestão de Guapi-Mirim e foi
elogiado por isto e, pasme (!!), há uma semana, foi convidado por autoridade do
Ibama Rio para ser a Secretaria Executiva do Conselho Gestor da APA de
Guapi-Mirim, conselho este que representa a execução mais perfeita do plano
para o qual nos conveniamos.
Diante
do surrealismo que estou vivendo, da agressividade com que estou sendo tratado
pelos técnicos do Ibama e da brincadeira infantil em que isto se tornou, é que
sou obrigado a utilizar o meu último recurso, apelar a uma Ministra para que a
burocracia do Ibama não me trate como inimigo – que ainda não sou – por razões
que eu desconheço. Talvez pelo simples fato de eu ter assinado um convênio com
um governo anterior, pelo fato de ter sugerido e apoiado a permanência do
ex-Superintendente do Ibama-Rio, cargo ocupado por pessoa que, por acaso, era
ex-cunhado do ex-ministro, ministro que vem a ser filho do atual Presidente do
Senado.
Sra.
Ministra, não sei qual a razão desta situação em que fui colocado e não lhe
peço nenhum favor. O que eu lhe peço é que o Ibama faça cumprir a lei, mas que
não me mantenha sob permanente intimidação porque eu não mereço isto. Se os
dirigentes do Ibama estão certos de que cumprem a lei, então não a manipulem
como ameaça. Façam o que querem fazer acreditar como sendo correto e assumam as
conseqüências jurídicas de seus atos. Tenho plena consciência de que o poder do
Estado, mesmo quando utilizado inconseqüentemente, é maior que o poder dos
indivíduos, mas esteja certa, Sra. Ministra, de que isto não me intimida.
Atenciosamente
Manuel
A.P. Sanches
Presidente
do Instituto Baía de Guanabara
É bom que se diga que, depois desta carta, o "processo kafkiano" simplesmente desapareceu!
Que história kafkiana Manuel. Ainda bem que depois da sua carta se mancaram.
ReplyDeleteQue história kafkiana Manuel. Ainda bem que depois da sua carta se mancaram.
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